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  • Foto do escritorAo Redor - Cultura e Arte

O Rei vento

Atualizado: 20 de abr. de 2021


Quadro de Daniel Weinem intitulado "O Rei Vento"

- Como vai, Mário?


Quem proferia essas palavras era a mesma mulher que cresceu com Mário desde jovem. Mulher se tornara somente há uns anos, pois sempre fora a menininha que crescera na casa de pau a pique no interior de Minas, ao lado do seu barraquinho. Também nunca esqueceria o dia que aquela casa, junto com a de sua família e seus vizinhos, foi reformada com tijolos. Lembrava da imagem do sol batendo nos tijolos e, ao piscar outra vez, a visão do Vento pintando de amarelo ocre cada casinha. Talvez, esse Vento era o que ele mais gostava naquele lugar. A força daquele ser que sempre lhe visitava pela tarde e acariciava o Rio do sertão. À beira das águas, ele observava o movimento ao seu redor. As águas dançavam pelas linhas sinuosas de pequenas ondas; o Vento – bela valsa – fazia curvas que seduziam o rio e as folhas; as Árvores curvavam-se diante da majestosidade. E ele continuava observando, parado, estático, como a sua alma.


Mas Mário não respondeu a pergunta; aliás, nunca a respondia. Era curioso a forma que a moça sempre lhe perguntava como ele estava, carregando aquele sorriso cálido no rosto, sem perder a ilusão de que em algum momento ele lhe responderia. Ele olhava para os olhos daquela menina sem conseguir dizer uma palavra. Não era falta de vontade; pelo contrário, seu sonho era poder responder, mas nunca soubera como ele estava. Enquanto fitava os olhos na menina, não podia deixar de observar o verde se movendo em sua íris. Parecia-lhe que o vento estava nela, hipnotizando-o, controlando-o, libertando-o.


Alguns minutos depois, ele levantou-se da varanda de sua casa e foi andando até o Rio. Conforme andava, apreciava aquela paisagem que cresceu sem ele. Apesar de ter sido moldado à imagem daquele lugar, sua alma era seca, vazia, perdida, turva. Enquanto ele chegava nas margens do rio, ao olhar para trás, via que suas pegadas desapareciam na terra, um sinal de que o Vento já estava caminhando junto a ele. Para Mário, o tratamento que o Vento oferecia aos corpos daquele lugar era totalmente diferente. Por um lado, os pássaros eram levantados e levados aos céus em um suave empurrão. Ao mesmo tempo, o pó e as folhas secas eram arrastados do chão - sem nenhuma delicadeza – com cambalhotas e giros que limpavam a terra. E, no meio desse espetáculo, Mário continuava ali, sendo o mesmo, desde sempre. Aliás, como ele sempre fora o mesmo, não era capaz de recordar suas memórias, seus pais, seus aniversários, sua idade.


Enfim havia chegado à beira do Rio, o qual parecia descansar e cujas águas eram levadas lentamente conforme ele respirava. Sentou-se nas pedras e suspirou, um suspiro longo, eterno. Decidiu entrar no Rio. Colocou os pés para pedir permissão e foi entrando aos poucos. Aquele ser continuava a dormir, e Mário deitava em cada pequena onda liberada ao expirar. Depois de um tempo, o Vento decidiu dançar sobre as águas o que despertou o gigante adormecido. As águas agitaram-se com a chegada do rei e o Rio submetia-se à majestade viva. Mário, no meio da agitação, não conseguia sair de dentro daquela cerimônia. Contudo, não queria sair, não queria fazer força, não queria lutar. Sua respiração, assim como as ondas, tornou-se agitada e – o Vento impetuoso – abateu-se sobre o corpo de Mário e o afundou nas águas. Ele se deixava ir, sem medo, sem fôlego. Por um momento, sentiu-se como os passarinhos que levantavam voo; todavia, ele voava nas águas do Rio, rodopiando. Seus pulmões, antes secos, tornavam-se úmidos, purificados, cheios. A vastidão fluvial era maior que o lugar que crescera, engolindo cada palavra que ele pudesse dizer ou expressar. O homem, diante disso, sentia na pele o movimento nunca experimentado. Num intre, as memórias apareceram: seus pais, suas festas, sua infância, sua imagem, sua alma. E Mário era apagado aos poucos, rendendo-se às forças que sempre o moldavam, ao ponto de não sentir o Vento, o Rio, as Árvores. Por fim, só restava um corpo afundado, sem alma, sem mente, sem cor.


Suavemente, o ar – uma dádiva do Vento – saiu do nariz de Mário, despertando-o de um sono eterno. Sentiu as pernas e os braços e, com movimentos delicados e seguros, elevou-se e elevou-se. Quando saiu das águas, estava na sua varanda sentado outra vez.


- Como vai, Mário? – disse a mulher.


- Vou bem, muito bem, e você?


Autoria de Daniel Weinem


Sobre o autor

Daniel Weinem tem 19 anos e é estudante. Atualmente, está estudando para prestar vestibular para medicina. Desde criança sempre se interessou por arte. Gosta de escrever, cantar, tocar e, recentemente, tem se aventurado na pintura.

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