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A maternidade onde a história falha

  • Foto do escritor: Ao Redor - Cultura e Arte
    Ao Redor - Cultura e Arte
  • há 5 dias
  • 3 min de leitura
Szymborska no dia das mães: quando a poesia revela o que a guerra tenta apagar

Vietnã


Mulher, como você se chama? - Não sei. 

Quando você nasceu, de onde você vem? - Não sei. 

Para que cavou uma toca na terra? - Não sei. 

Desde quando está aqui escondida? - Não sei. 

Por que mordeu o meu dedo anular? - Não sei. 

Não sabe que não vamos te fazer nenhum mal? - Não sei. 

De que lado você está? - Não sei. 

É a guerra, você tem que escolher. - Não sei. 

Tua aldeia ainda existe? - Não sei. 

Esses são teus filhos? - São. 


Wisława Szymborska, no livro "Poemas". 

Trad. Regina Przybycien. 



No Dia das Mães, celebramos afetos, memórias e a força invisível que sustenta laços familiares. Mas e quando a guerra rasga o tecido da vida, deixando apenas destroços? Em "Vietnã", poema da Nobel de Literatura Wisława Szymborska, uma mulher sem nome, sem passado e sem respostas nos confronta com uma verdade dura: mesmo na desolação, a maternidade resiste. Publicado originalmente durante a Guerra do Vietnã, o texto ecoa até hoje como um retrato universal das mães que carregam filhos nos braços e tragédias nas costas.


O poema é um diálogo cortante. Perguntas secas — "Como você se chama?", "De que lado você está?" — são respondidas com um repetido "Não sei". A mulher, escondida em uma toca, não tem nome, não sabe sua idade ou se sua aldeia ainda existe. A guerra apagou sua história, mas não sua humanidade. A única resposta clara vem no final: "Esses são teus filhos?" — "São".


Aqui, Szymborska captura o paradoxo da maternidade em conflitos: a criança é ao mesmo tempo motivo de desespero e de resistência. Enquanto o mundo exige que ela "escolha um lado", sua única lealdade é à vida que gerou.


GUERRA NÃO TEM LADO, TEM VÍTIMAS


A Guerra do Vietnã (1955-1975) foi marcada por bombardeios a civis, armas químicas e milhões de deslocados. Szymborska, poeta polonesa que viveu sob regimes totalitários, evita juízos políticos. Em vez disso, expõe a banalização do sofrimento feminino:


"Por que mordeu o meu dedo anular? – Não sei."


A mordida, um gesto quase animal, simboliza a redução da mulher à pura sobrevivência. Mas também é um ato de rebeldia: seu corpo, ainda que dilacerado, reage.


A mulher do poema não sabe "há quanto tempo" está escondida. A guerra rouba o passado e incinera o futuro. Resta apenas o presente — e os filhos. A maternidade, aqui, é a última fronteira da identidade. Enquanto soldados discutem "lados", ela protege crianças que, talvez, nem saibam o que é um céu sem fumaça.


Neste Dia das Mães, o poema nos faz refletir: quantas mulheres, hoje, repetem esse drama em guerras que acontecem atualmente em nosso planeta? Quantas carregam filhos no colo enquanto o mundo pergunta "de que lado você está?"


POR QUE LER SZYMBORSKA HOJE?


A poesia de Szymborska não oferece respostas fáceis. Ela nos obriga a encarar perguntas desconfortáveis:

- Como celebrar a maternidade em um mundo que ainda a coloca na linha de fogo?

- O que significa ser mãe quando a guerra é o único "lar" possível?


A força da mulher vietnamita — e de todas as mães em zonas de conflito — está em sua recusa ao apagamento. Mesmo sem nome, ela diz "São", afirmando existência em um mundo que insiste em destruí-la.


Neste 11 de maio, enquanto presenteamos nossas mães, o poema nos convida a olhar para além do nosso círculo:


- Quantas histórias de mães em guerras estão esquecidas nos livros de História?

- Como apoiar mulheres refugiadas que, hoje, reconstroem vidas com filhos no colo?


Aoredor.blog.br sugere: doe a organizações como Médicos Sem Fronteiras (https://www.msf.org.br/) ou ACNUR (https://www.acnur.org/br/), que protegem mães e crianças em zonas de conflito.


"Vietnã" não é um poema sobre guerra. É sobre o que sobra dela: o instinto materno que persiste como raiz firme em solo arrasado. Feliz Dia das Mães a todas que, como a mulher de Szymborska, transformam "Não sei" em "São" — mesmo quando o mundo desaba.


Referência:


SZYMBORSKA, Wisława. Poemas. Trad. Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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