top of page

A Escrita como Magia: Palavra, Consciência e Responsabilidade

  • Foto do escritor: Ao Redor - Cultura e Arte
    Ao Redor - Cultura e Arte
  • 8 de set.
  • 3 min de leitura

Desde os primeiros traços nas cavernas, o ser humano intuía que desenhar, pintar ou gravar sinais era mais do que registrar: era intervir no real. Um bisão riscado na pedra não era apenas imagem, mas convocação da caça. Um canto entoado diante do fogo não era mero entretenimento, mas encantamento do mundo. Nesse gesto inaugural, palavra e magia nasceram unidas.

Com o tempo, o gesto xamânico se transfigurou em escrita. No Egito, chamavam-na de medu netjer, “as palavras dos deuses”. Entre os sumérios, os tabletes de argila registravam não só comércio, mas também mitos que fundavam cosmovisões. A escrita era sempre um poder, uma ponte entre o invisível e o visível.


A palavra que move consciências


Se aceitarmos que cada texto é um feitiço, entendemos por que livros mudam destinos. Basta pensar na força de narrativas que atravessaram a história: as Escrituras que moldaram religiões, o Manifesto Comunista que incendiou revoluções, os romances modernistas que redesenharam identidades culturais.

Cada vez que alguém lê, sua consciência é tocada, reconfigurada, expandida. Ler é permitir que outra voz habite em nós, que outro imaginário se enxerte em nosso modo de ver o mundo. A palavra, assim, não é neutra: ao alterar consciências, altera realidades.


O escritor como instrumento


Mas se a palavra é feitiço, o escritor é o xamã que a pronuncia. E o instrumento primeiro não é a caneta ou o teclado: é o próprio ser. A obra passa pelo corpo, pela memória, pelas feridas e encantos de quem escreve.

Não há literatura “pura”, desligada de seu autor. O texto carrega a afinação interior do escritor. Escrever exige, portanto, trabalhar a si mesmo: cultivar sensibilidade, confrontar sombras, lapidar a percepção. A escrita é também uma via de autoconhecimento.


A ética da empatia


Aqui surge a dimensão ética. Se escrever é influir em consciências, a responsabilidade do escritor é inevitável. A palavra pode anestesiar ou despertar, pode consolidar preconceitos ou abrir frestas de compreensão.

Escrever é escolher. E essa escolha pede empatia: olhar para o outro, mesmo aquele que pensa diferente, e perguntar-se de onde vêm suas ideias, quais feridas e contextos as geraram. Não se trata de relativizar tudo, mas de entender antes de julgar.

A boa literatura, afinal, não é tribunal: é espelho, é travessia, é pergunta que devolve ao leitor a possibilidade de se reconhecer no estranho.


O feitiço do futuro


Na era em que a palavra circula como mercadoria — “conteúdo” rápido e descartável —, lembrar sua dimensão mágica é um ato de resistência. Não escrevemos apenas para entreter ou distrair, mas para tecer sentido no tecido comum da existência.

Cada texto é um feitiço lançado sobre o futuro. O escritor que compreende isso não teme a fragilidade do tempo: sabe que sua palavra pode atravessar séculos, como atravessaram as inscrições em pedra, como atravessaram os livros que mudaram a história.

A escrita é magia porque nos transforma. E ao transformar-nos, transforma o mundo.


Inscreva-se em nosso blog para receber outras publicações sobre arte e cultura


Conheça nosso livro

Lançado em 2024, o livro "Arte em debate: reflexões contemporâneas", da autora Luiza Pessôa, artista, graduada em história e pós-graduada em História da Arte, reúne artigos revisados e ampliados do blog Ao Redor Cultura e Arte que abordam temas relacionados à arte, além de textos inéditos da autora.


bottom of page