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Ecos da Autenticidade: como o mercado molda as nossas melodias.

Atualizado: 10 de out. de 2023

A música que ouvimos é uma escolha genuína dos artistas ou uma resposta às demandas do mercado?

a imagem mostra uma loja de discos, com vários discos de vinil .

A música, em sua essência, é uma expressão artística que transcende fronteiras, culturas e tempos. Mas, como toda forma de arte, ela também é influenciada por fatores externos, como o mercado e as demandas da sociedade. Conforme as civilizações evoluíram e se adaptaram a novos contextos, a relação entre o homem e a música também passou por transformações significativas.


Pode-se compreender o desenvolvimento da Indústria Cultural, aquela que produz visando o consumo em massa e o lucro, a partir do século XVIII, tendo como marco histórico o surgimento da imprensa e o consequente desenvolvimento da indústria editorial, a qual podemos considerar como a primeira a produzir arte em série com o objetivo da comercialização em grande escala e obtenção de lucro. Posteriormente, surgiram outras indústrias culturais, como a da música, a indústria do cinema e da televisão. O desenvolvimento tecnológico tornou possível reproduzir obra de arte em escala industrial.


As gravações musicais têm suas raízes no final do século XIX, com o desenvolvimento da tecnologia de gravação de som. Thomas Edison é frequentemente creditado com a invenção do fonógrafo em 1877. Esse dispositivo permitia a gravação e a reprodução de som através de um cilindro. Em 1888, Emile Berliner inventou o gramofone, que usava discos planos (discos de vinil) em vez de cilindros para gravação e reprodução de som. As primeiras gravações eram acústicas, feitas de forma mecânica usando uma agulha que gravava sulcos em discos de vinil.


Se, por um lado, essa primeira etapa de desenvolvimento tecnológico permitiu que a arte alcançasse um público muito maior, é também características deste novo modelo de produção, o fato do artista se tornar um funcionário e a obra um empreendimento comercial que tem entre seus objetivos a aceitação do grande público e o lucro. A partir dessas transformações surgem reflexões sobre a autenticidade da arte. Somos confrontados com uma questão: a música que ouvimos é uma escolha genuína dos artistas ou uma resposta às demandas do mercado?


O desenvolvimento da indústria musical, no entanto, não parou por aí. Para pensar o mercado atual, precisamos olhar para as transformações que esta indústria viveu especialmente a partir da chegada da internet.


No início do século XX, a indústria musical começou a crescer rapidamente, impulsionada pelas gravações e pela popularização do rádio. Gravadoras como a RCA Victor e a Columbia Records desempenharam papéis essenciais na produção e distribuição de música gravada. Nas décadas de 1940 e 1950, o surgimento do rock 'n' roll, com artistas como Elvis Presley e Chuck Berry, trouxe uma revolução cultural na música e expandiu ainda mais a indústria. A introdução do LP (Long Play) de 33⅓ rotações por minuto (RPM) e dos singles de 45 RPM nos anos 1950 permitiu uma maior capacidade de armazenamento de músicas em discos de vinil. A partir dos anos 1980, a indústria musical viu a ascensão do CD (Compact Disc), que proporcionou uma qualidade de áudio superior e a facilidade de reprodução. Mas, foi a era digital, que começou nos anos 1990, com a popularização da internet e o desenvolvimento de formatos de atualizações de áudio como o MP3, que transformou radicalmente a maneira como a música é distribuída e consumida.


Na contemporaneidade, a revolução digital e a globalização democratizaram a criação e distribuição de músicas, proporcionando um cenário mais acessível para músicos e ouvintes. A produção musical não se restringe mais a um pequeno grupo de artistas famosos e as decisões sobre o mercado não estão mais exclusivamente nas mãos das grandes gravadoras. As novas formas de produção e distribuição se estendem a uma multiplicidade de criadores independentes que encontram plataformas para compartilhar suas obras. Uma pesquisa da ABMI (Associação Brasileira da Música Independente), lançada em 15 de outubro de 2020, revelou que 53% dos artistas que estiveram no Top 200 do Spotify são independentes.


No entanto, nos cabe questionar o quanto tais mudanças alteraram ou perpetuaram o poder das demandas mercadológicas sobre a produção musical.


Com aumento de oportunidades, o cenário exige um maior esforço para que o artista tenha visibilidade. E o padrão que se desenvolveu desde o século XX, com o crescimento da indústria da música, é o da valorização da produção mais vendável em função da popularização. Lógica de mercado que padroniza os gostos de acordo com os interesses capitalistas. O artista, que precisa se destacar para viver da sua arte, permanece nessa espécie de “beco sem saída”, precisando escolher entre uma produção autêntica e original ou uma produção que atenda às demandas do mercado, que se define por aquilo que já é popular e que o público quer ouvir.


As reflexões que se fazem pertinentes, a partir das considerações anteriores, passam pela análise do seguinte paradoxo: o gosto musical dos ouvintes define o mercado ou o mercado molda o gosto musical do público? Vale pensar aqui, nos dois lados da moeda:


Quando um artista opta por se tornar autônomo, ele assume o controle de sua trajetória e produção. No entanto, ao exercer domínio sobre sua carreira e expressão artística, ele adquire outras responsabilidades enquanto agente cultural. O caráter lúdico e de entretenimento da arte não pode nos permitir esquecer que o artista desempenha um papel fundamental como agente político e transformador da sociedade, pois sua expressão criativa tem o poder de inspirar reflexão, questionamento e mudança em níveis profundos.


Por outro lado, enquanto consumidores, devemos direcionar nossa atenção e apoio aos músicos que são frequentemente ofuscados pelo mercado, relembrando que a beleza da música reside em sua diversidade e capacidade de evocar emoções. Iniciativas que estimulem uma educação musical, não no sentido da imposição do que é bom ou não, mas no intuito de estimular um consumo mais receptivo a inovações, experimentações e diferentes manifestações musicais, são fundamentais para evitarmos limitações a um único padrão popular de consumo de arte e para possibilitarmos um cenário musical mais rico e variado.


Leia também nosso artigo sobre a "Democratização ou Banalização da Arte".

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