A Arte Contra a Discriminação Racial: O Papel dos Artistas Brasileiros
- Ao Redor - Cultura e Arte
- 3 de jul. de 2024
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No Brasil, o dia 3 de junho marca uma data de grande relevĆ¢ncia: o Dia Nacional de Combate Ć Discriminação Racial. Este Ć© um momento propĆcio para refletir sobre as profundas cicatrizes deixadas pelo racismo e para reconhecer a arte como uma das ferramentas mais poderosas de resistĆŖncia e de transformação social. A arte tem a capacidade de educar, sensibilizar e inspirar mudanƧas profundas. AtravĆ©s dela, muitos artistas brasileiros tĆŖm se destacado na luta contra a discriminação racial. Este artigo ressalta as contribuiƧƵes de alguns desses artistas, seus desafios e o impacto de suas obras na sociedade.
A discriminação racial no Brasil tem raĆzes profundas, remontando ao perĆodo colonial e Ć escravidĆ£o. A abolição da escravatura em 1888 nĆ£o eliminou as desigualdades; pelo contrĆ”rio, perpetuou um sistema de exclusĆ£o que ainda hoje se manifesta em diversas esferas. As polĆticas de embranquecimento e a negação do racismo institucionalizado agravaram a situação, tornando a luta contra a discriminação uma batalha contĆnua. Compreender este contexto histórico Ć© crucial para valorizar o papel transformador dos artistas na construção de uma sociedade mais justa.
Os artistas sĆ£o frequentemente vistos como arautos da mudanƧa social. Suas obras nĆ£o apenas refletem realidades, mas tambĆ©m questionam normas e desafiam injustiƧas. No Brasil, artistas tĆŖm sido fundamentais na conscientização sobre a discriminação racial, utilizando suas plataformas para amplificar vozes silenciadas e promover a diversidade cultural. A arte pode ser, tambĆ©m, entretenimento ou alĆvio, porĆ©m, quando busca transformação, nĆ£o se limita a contemplação, ela desperta empatia e incita Ć ação.
Arte afro-brasileira, panorama histórico
NĆ£o Ć© possĆvel discutir expressƵes artĆsticas de resistĆŖncia negra no Brasil sem mencionar suas origens nas senzalas, onde se mesclavam religiosidade e carĆ”ter recreativo. Elementos da cultura africana que se vĆ£o integrando Ć sociedade brasileira e tomando os espaƧos coletivos num exercĆcio constante de identificação e comunicação.
"Arte afro-brasileira" Ć© um termo cunhado apenas no sĆ©culo XX que remete a manifestaƧƵes artĆsticas que referenciam a cultura negra e seus artistas. Embora as primeiras influĆŖncias venham, provavelmente, de artĆfices bantos, a maioria cristianizados por missƵes portuguesas desde o sĆ©culo XV, o conceito Ć© relativamente recente devido Ć falta de registros históricos anteriores ao barroco e Ć limitação das expressƵes artĆsticas sob a condição de escravidĆ£o. AlĆ©m disso, a escassez de estudos histórico-culturais sobre a Ćfrica e os africanos no Brasil dificulta a definição clara dessa arte. Entender o surgimento de uma arte afro-brasileira requer uma compreensĆ£o aprofundada da história e das influĆŖncias africanas e sua mescla com culturas ibĆ©ricas e indĆgenas no Brasil.
Ć muito provĆ”vel que, ainda na dĆ©cada de 1530, durante o primeiro ciclo econĆ“mico do Brasil, jĆ” tenha se desenvolvido uma cultura artĆstica negra popular, especialmente musical e coreogrĆ”fica, com caracterĆsticas próprias e que podem ser consideradas as primeiras formas de arte afro-brasileira. No entanto, a falta de registros históricos dessas manifestaƧƵes dificulta a criação de sua historiografia, e a busca por evidĆŖncias de festividades populares brasileiras dessa Ć©poca se estende a partir do sĆ©culo XVI.
Pode-se dizer que o perĆodo da "cultura do açúcar" no Brasil do sĆ©culo XVI e XVII impulsionou o surgimento de uma arte popular afro-brasileira no Nordeste, evidenciada por manifestaƧƵes populares que ao longo dos anos se consolidaram nas formas de Maracatus, bumba-meu-boi e congadas.
AvanƧando alguns sĆ©culos, Ć© importante destacar que, no perĆodo barroco, os artistas negros e mestiƧos eram provavelmente a maioria, sustentando as prĆ”ticas artĆsticas das irmandades dos homens pretos e das corporaƧƵes de ofĆcios do Brasil dos sĆ©culos XVIII e XIX. AlĆ©m disso, o barroco brasileiro Ć© frequentemente considerado, por determinadas historiografias da arte, como o perĆodo de origem da arte nacional, com uma significativa presenƧa de negros nas artes plĆ”sticas.
Deve-se também destacar o lundu, manifestação musical e coreogrÔfica resultante da fusão de elementos das culturas africana e ibérica, que contribuiu para a formação da identidade musical brasileira no final do século XVIII e que, juntamente com outras formas de batuque, dariam origem ao samba.
Após um breve revisão das origens da arte negra brasileira, avancemos no tempo para destacar artistas, de diversas linguagens da arte, que edificaram a história da resistência negra por meio da arte no Brasil.
A mĆŗsica, especialmente o samba, o rap e o funk, tem sido um veĆculo poderoso de expressĆ£o e resistĆŖncia para a comunidade negra no Brasil. Artistas como Cartola, Gilberto Gil e Emicida abordam em suas canƧƵes questƵes de injustiƧa social e identidade racial, influenciando geraƧƵes e inspirando movimentos sociais.
Na literatura, escritores como Machado de Assis, Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo usam a literatura para dar voz Ć s vivĆŖncias e lutas da população negra. Suas obras nĆ£o apenas desafiam estereótipos, mas tambĆ©m oferecem crĆticas contundentes Ć s desigualdades raciais no paĆs. Em um artigo sobre a literatura negra, a professora Luiza Brandino explica: "Entende-se por literatura negra, a produção literĆ”ria cujo sujeito da escrita Ć© o próprio negro. Ć a partir da subjetividade de negras e negros, de suas vivĆŖncias e de seu ponto de vista que se tecem as narrativas e poemas assim classificados. Ć importante ressaltar que a literatura negra surgiu como uma expressĆ£o direta da subjetividade negra em paĆses culturalmente dominados pelo poder branco" (BRANDINO, Luiza. Literatura Negra)

Nas artes visuais, vale citar alguns eventos importantes na expansĆ£o da arte negra como as exposiƧƵes inaugurais do Museu da Imagem e do Som (MIS/RJ), em 1968; āI Encontro de Artes de Osasco, em 1979; A MĆ£o Afro-Brasileiraā (1988) āNegro de Corpo e Almaā (2000) módulo āArte Afro-Brasileiraā da Exposição Brasil 500 anos (2000), entre outras. Estas exposiƧƵes marcaram, nĆ£o só uma crescente propagação da arte afro-brasileira, mas foram importantes no rompimento de barreiras entĆ£o erguidas entre arte acadĆŖmica e arte popular, colaborando para que tais distinƧƵes deixassem de fazer sentido. Podemos mencionar artistas como Rosana Paulino e Abdias Nascimento que utilizam suas criaƧƵes para explorar a história e a cultura afro-brasileira. Suas obras desconstroem narrativas coloniais e promovem a valorização da identidade negra. AtravĆ©s de pinturas, esculturas e instalaƧƵes, provocam reflexƵes profundas sobre nossa história e nosso presente.
Outras Iniciativas ArtĆsticas no Combate Discriminação Racial
HĆ” uma diversidade de outros eventos e iniciativas dedicados Ć valorização e difusĆ£o da arte negra no Brasil, como a Mostra Internacional de Arte Negra (MIAN) e o Festival Latinidades, o maior festival de mulheres negras da AmĆ©rica Latina. Coletivos como o Aparelha Luzia em SĆ£o Paulo e o Afrobapho na Bahia tambĆ©m desempenham um papel crucial na promoção da cultura negra. Projetos sociais como o Instituto Feira Preta e o Museu Afro Brasil sĆ£o fundamentais para o fortalecimento e preservação da arte afro-brasileira, oferecendo espaƧos de exposição, oficinas e formação artĆstica para jovens negros. Esses exemplos mostram o vibrante e diversificado cenĆ”rio da arte negra no Brasil, sĆ£o espaƧos de resistĆŖncia e criação, fortalecendo a comunidade e ampliando o impacto social no combate Ć s desigualdades e Ć discriminação racial.
Apesar dos avanƧos, artistas negros ainda enfrentam muitos desafios, incluindo a falta de reconhecimento, oportunidades e recursos. O racismo estrutural e as barreiras institucionais limitam o acesso ao mercado artĆstico e Ć visibilidade necessĆ”ria para suas obras. Abordar essas questƵes Ć© essencial para garantir um ambiente mais inclusivo e equitativo no campo das artes. Ć um caminho Ć”rduo, mas necessĆ”rio, e cada passo Ć© uma vitória. O combate Ć discriminação racial no Brasil Ć© um esforƧo contĆnuo que exige a participação ativa de todos os setores da sociedade, incluindo os artistas. Reconhecer e apoiar o papel dos artistas na luta contra o racismo Ć© fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitĆ”ria.