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Foto do escritorAo Redor - Cultura e Arte

A História do graffiti no movimento Hip-Hop

Atualizado: 19 de mar.

Graffiti: A ARTE PLÁSTICA DAS RUAS

Artigo resultado da pesquisa monográfica de Mateus Kleiz: "HIP-HOP: A HISTÓRIA DE UM SÍMBOLO DE RESISTÊNCIA".


Assim como as outras modalidades do hip-hop, o graffiti tem como objetivo promover união e pacificação; partindo, porém, de uma metodologia diferente. Segundo Geni Duarte, O graffiti realiza uma intervenção no espaço urbano através da arte, fora dos circuitos consagrados e para o povo, como ponte entre o individual e o coletivo.


É possível pontuar como primordial para esse método representativo, a transmissão de uma crítica social e a transgressão por meio de ilustrações. Entretanto, não há como ligar essa prática às causas negras em primeira instância (como se pode observar no movimento hip-hop) devido à sua pluralidade e por conta de seus diferentes contextos históricos de surgimento (Campos, 2007). Sobre essa diversidade de esferas do graffiti, o sociólogo e antropólogo Ricardo Campos explica:


“Para a maioria, o termo graffiti aplica-se, usualmente, às inscrições executadas no espaço citadino, em suportes diversos, como os muros, as paredes e variado mobiliário urbano, através da utilização de diferentes instrumentos (geralmente o aerossol ou o marcador). Daí que a definição usual abarque um conjunto extenso de atividades, códigos e processos criativos que estão longe de assumir uma coerência interna ou um sentido de conjunto. Nesta, podem inscrever-se diferentes expressões da denominada street art, obscenidades rebuscadas, frases românticas, impropérios dirigidos a políticos, aclamações desportivas, entre tantas outras manifestações da inesgotável competência criativa do sujeito urbano.”


Como este artigo aborda a relação do graffiti com o movimento hip-hop, cabe aqui esmiuçar a formação do graffiti especialmente nos Estados Unidos, especificamente nas comunidades negras de Nova Iorque e como um ato de transgressão (característica essencial do hip-hop).


É interessante destacar que a palavra graffiti tem sua origem no Império Romano, e representava as inscrições que eram feitas em paredes na cidade de Pompéia e nas catacumbas de Roma (Campos, 2009). Em diversos momentos da História, as inscrições em paredes apareceram ligadas a momentos de tensão social. Como exemplo, as inscrições de muros em Paris, em maio de 1968, como forma de protestar contra a repressão aos estudantes. Também na década de 60, surgiram mensagens e símbolos de contestação ao que representava o Muro de Berlim. Entretanto, nestes casos, estas inscrições constituíram uma atuação social de cunho político, basicamente com palavras que remetiam à ordem.


Já o graffiti ligado ao movimento hip-hop tem como proposição interferir na organização urbana, ou seja, é um discurso revolucionário, expressão de resistência da periferia. Nesse contexto, sabe-se que a eclosão do graffiti como arte de rua se deu nos últimos anos da década de 60 em meio ao que se pode chamar de “guerra civil” entre gangues na cidade de Nova Iorque. Os membros dessas gangues faziam marcações com tintas em spray em ruas, muros, metrôs, paredes, casas, viadutos, entre outros lugares para demarcar seus territórios, suas dominações. Sobre a expansão dessa forma de manifestação, a pesquisadora Rosana Aparecida M. Santos declara:


“(...) o grafite vai aos poucos ultrapassando as fronteiras dos guetos reivindicando o espaço público como lugar de expressão de identidades políticas confinadas nos subúrbios de Nova York, deixando visível sua presença através dos muros e paredes pintados numa espécie de invasão simbólica do gueto rumo ao centro da cidade até as alas mais nobres do espaço urbano na conclamação do repúdio às formas de poder onde eram passadas mensagens tanto pacificadoras como as programações das festas realizadas nos bairros segregados (Santos, 2002).”


Além disso, ainda grafavam uma espécie de codinome, um apelido que usavam para registrar seus feitos. Essa identificação ficou conhecida como tag9 e era misteriosa, pois a sociedade não conhecia quem as fazia, salvo a comunidade negra (Lara, 1996; Paula, 2011). O pioneiro da aplicação dessas tags, tido como um dos grandes responsáveis pela formação do graffiti tal como se popularizou, foi um jovem chamado Demetrios, que ficou conhecido por Taki 183. Rapaz de origem grega que morava em Manhattan e trabalhava como mensageiro. Em seu expediente, perturbava as pessoas ao escrever o nome e número da rua onde morava por todos os lugares em que passava.


Essa prática incomum foi relatada num noticiário do New York Times em uma de suas edições em meados de 1971. Taki 183 ganhou grande visibilidade e foi motivo de inspiração para muitos jovens. Foi a partir de então que a comunidade negra adotou essa prática e a incorporou à realidade em que vivia devido ao caráter de transgressão da manifestação. O proibido, e tudo o que era ilegal, atraía a juventude negra que se munia de mecanismos para reivindicar por justiça e comunicar sua insatisfação.


A black music e a popularização do graffiti


O graffiti passou a ser a forma de inserção dos jovens da periferia em uma sociedade que para eles era vedada. Esta prática “desobediente” do graffiti encontra-se no momento histórico de consolidação do hip-hop e era feita nas black parties, festas promovidas pela e para a juventude negra e nas quais os elementos que fundamentam o hip-hop se conectavam. Os grafiteiros ficaram conhecidos por realizar seus desenhos ao som do rap proposto pelos MCs enquanto o DJ animava as festas para que as pessoas dançassem.


Inclusive, foi através da popularização da black music que o graffiti se deparou com a oportunidade de adquirir cada vez mais visibilidade, pois um grande contingente das capas dos vinis desse estilo musical foi confeccionado por grafiteiros, o que ocorreu também nas décadas seguintes com a aparição de mais recursos audiovisuais.


Nesse contexto ainda muito embrionário do movimento hip-hop, o graffiti não possuía a abrangência que as outras modalidades (ligadas à música e à dança) possuíam. Entretanto, é importante destacá-lo devido à proporção que esta prática tomou com o passar dos anos em termos globais. Manifestação sempre disposta entre duas lógicas que norteiam os writers: a legalidade e a ilegalidade.


Bombing ou hall of fame: os debates na comunidade grafiteira


É fundamental ressaltar que a vertente da ilegalidade fundamentalmente não está ligada ao vandalismo, visto que ela não propõe a pintura do graffiti com o objetivo de prejudicar de algum modo os bens de um determinado local. O ilegal, que também é reconhecido pela expressão “bombing”, se dá pelo fato da desvinculação ou não aproximação com o sistema artístico instituído pela sociedade, o qual compõe, para si, métodos, propostas, aplicações e temas distintos do que o graffiti essencialmente propõe. Tal essência é preservada até mesmo pela forma como os writers se organizam, no sentido de, na maioria dos casos, se disporem em “crews”, grupos de artistas de ruas, remetendo, assim, à coletividade intuída pelo hip-hop (Simões, 2010).


Já os writers que optam pelo caminho legal, se vinculam, majoritariamente, a instituições, galerias e museus de modo individual, além de prezarem pela questão estética por conta da busca por uma visibilidade publicitária. Essa aba identitária do graffiti ficou conhecida como hall of fame, como o próprio nome já indica, os adeptos têm como ambição a conquista de um reconhecimento institucionalizado, que segue as demandas artísticas vigentes e/ou consagradas, descomprometidas, de modo geral, com uma mensagem coletiva de resistência ou de reivindicações das camadas populares (Lachmann, 1988). A dualidade exposta provoca fissuras e debates ainda latentes na comunidade grafiteira.


Cabe considerar que a segunda lógica configura o graffiti como elemento constituinte e fundante do hip-hop enquanto representante social de identidade negra.


Este conflito dentro da comunidade é uma das principais consequências para o posicionamento do graffiti como o eixo mais marginalizado do hip-hop, precisamente por ser praticado no limiar da transgressão (Pereira, 2013).


Autoria de Mateus Matos Kleiz Ferreira


Sobre o autor

Mateus Kleiz é formado em História pela Universidade Católica de Petrópolis, dançarino, professor e coreógrafo profissional de hip-hop.
Conheça o trabalho de Mateus Kleiz em suas redes sociais:




Referências Bibliográficas


CAMPOS, Ricardo. Pintando a Cidade: uma abordagem antropológica ao Graffiti Urbano.

Dissertação de Doutorado (Universidade Aberta, Lisboa), 2007.


PEREIRA, André. Graffiti: práticas, estilos e estéticas de uma identidade cultural. Centro de Investigação e Estudos de Sociologia. Universitário CIES e-WorkingPaper, n. 150/2013. Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, 2013.


LACHMANN, Richard. Graffiti as career and ideology. American Journal of Sociology, 4

(2), p. 229-250, 1988.


LARA, Arthur Hunold. Grafite: arte urbana em movimento. 1996, 152 p. Dissertação

(Mestrado em Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.


SANTOS, Rosana Aparecida Martins. Reflexão crítica sobre os processos de sociabilidade

entre o público juvenil na cidade de São Paulo na identificação com a musicalidade do Rap Nacional. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, Universidade de São Paulo (USP). 249 f., p. 34-57, 2002.

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1 Comment


Márcia Cristina Leite Rosa
Márcia Cristina Leite Rosa
May 19, 2021

Muito interessante a menção à divisão entre o graffiti transgressor e o institucionalizado.

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