A relação entre a arte e a saúde cognitiva e emocional
- Ao Redor - Cultura e Arte
- 17 de mar.
- 4 min de leitura
Quando praticamos atividades artísticas, como pintar, tocar um instrumento ou escrever, ativamos redes neuronais complexas que envolvem memória, atenção, emoção e motricidade.

O Que é Neuroplasticidade e Como a Arte a Estimula?
Estudos científicos têm revelado, cada vez mais, como pintar, tocar um instrumento, escrever ou dançar podem contribuir para a manutenção da nossa saúde mental e emocional. Quando nos envolvemos em atividades artísticas, nosso corpo responde de maneiras surpreendentes e a ciência nos ajuda a desvendar essas reações.
A neuroplasticidade — a capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões neuronais ao longo da vida — é um dos conceitos mais revolucionários da neurociência moderna. E a arte, em suas múltiplas linguagens, pode ser uma ferramenta poderosa para "exercitar" essa plasticidade, fortalecendo não apenas a criatividade, mas também a saúde cognitiva e emocional.
A neuroplasticidade permite que o cérebro se adapte a experiências, aprendizados e até traumas. Quando praticamos atividades artísticas como pintar, tocar um instrumento ou escrever, ativamos redes neuronais complexas que envolvem memória, atenção, emoção e motricidade. Esses processos estimulam a formação de novas sinapses (conexões entre neurônios) e até a geração de novos neurônios em regiões como o hipocampo, associado à aprendizagem.
Um estudo publicado na Nature Reviews Neuroscience (2017) destacou que atividades criativas aumentam a densidade da matéria cinzenta em áreas como o córtex pré-frontal (responsável por planejamento e tomada de decisões) e o córtex insular (envolvido na autoconsciência). Músicos, por exemplo, apresentam um córtex auditivo e motor mais espesso do que não músicos, como mostrou uma pesquisa do Journal of Neuroscience (2013).
Artes Específicas, Efeitos Específicos
Cada linguagem artística ativa circuitos cerebrais distintos
1. Música:
Tocar um instrumento exige coordenação motora fina, leitura de partituras e escuta ativa, envolvendo córtex motor, auditivo e visual. Um estudo do NeuroImage (2018) mostrou que músicos têm maior conectividade entre os hemisférios cerebrais, o que melhora habilidades como resolução de problemas e a execução de múltiplas tarefas.
2. Artes plásticas (pintura, desenho, escultura):
A criação deste tipo de arte estimula o córtex occipital (processamento visual) e o córtex parietal (integração sensorial). Pesquisadores da Drexel University (2017) observaram que 45 minutos de pintura aumentam o fluxo sanguíneo no córtex pré-frontal, região ligada ao foco e à regulação emocional.
3. Artes cênicas (dança, teatro):
A dança combina movimento, ritmo e expressão emocional, ativando o córtex motor, o cerebelo (equilíbrio) e o sistema límbico (emoções). Um estudo na Frontiers in Human Neuroscience (2020) revelou que bailarinos têm maior plasticidade no córtex sensorial, o que explica sua habilidade de sincronizar corpo e mente.
4. Escrita Criativa:
Escrever histórias ou poesias envolve o córtex temporal (linguagem) e a rede de modo padrão (criatividade e introspecção). Segundo um artigo no Creativity Research Journal (2019), a escrita narrativa ajuda a integrar memórias fragmentadas, um processo crucial para a resiliência emocional.
A arte e seus efeitos no cérebro
A neuroplasticidade induzida pela arte tem aplicações clínicas impressionantes:
- Reabilitação neurológica:
Tratamentos de pacientes com AVC ou lesões cerebrais usam música e artes visuais para recuperar funções motoras e de linguagem. Um estudo no Journal of Neurologic Physical Therapy (2021) mostrou que a musicoterapia melhorou a mobilidade de pacientes com Parkinson ao sincronizar movimentos com ritmos.
- Prevenção do declínio cognitivo:
Idosos que praticam atividades artísticas têm menor risco de demência. Uma pesquisa longitudinal no PLOS ONE (2020) acompanhou 1.000 idosos por 10 anos e descobriu que aqueles envolvidos com arte tiveram 73% menos declínio cognitivo do que os demais.
- Saúde emocional:
A arte reduz a ruminação mental (comum na depressão) ao induzir um estado de flow — imersão total na atividade. Neurocientistas da Universidade de Zurique (2016) comprovaram que o flow diminui a atividade na amígdala (centro do medo) e aumenta a liberação de dopamina, promovendo calma e satisfação.
A arte não apenas remodela o "hardware" cerebral, mas também modula seu "software" químico. Isso quer dizer que atividades prazerosas, como cantar ou desenhar, liberam dopamina, neurotransmissor ligado à motivação e recompensa. Já a serotonina, associada ao bem-estar, é estimulada pela expressão artística, como mostrou um estudo no Art Therapy (2018). Pesquisas com artistas visuais no Frontiers in Psychology (2019) também associaram a prática regular de pintura a níveis elevados de BDNF (proteína essencial para a sobrevivência e plasticidade dos neurônios).
Para colher todos esses benefícios não é necessário ser um artista profissional, a prática informal ou recreativa da arte já serve de estímulo para o cérebro. O ato de prestar atenção às texturas, cores e sons durante uma prática artística favorece a neuroplasticidade. A novidade força o cérebro a criar novas conexões. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o papel das artes na promoção da saúde e países como Reino Unido e Canadá já adotam "receitas sociais" que incluem visitas a museus ou aulas de música na manutenção da saúde física, mental e emocional da população.
Fontes Científicas:
- Neuroplasticidade e Arte: Nature Reviews Neuroscience (2017) - Lövdén et al.
- Música e Conectividade Cerebral: NeuroImage (2018) - James et al.
- Artes Visuais e Fluxo Sanguíneo: Drexel University (2017) - Kaimal et al.
- Dança e Córtex Sensorial: Frontiers in Human Neuroscience (2020) - Karpati et al.
- Escrita Criativa e Memória: Creativity Research Journal (2019) - Kaufman et al.
- Arte e Declínio Cognitivo em Idosos: PLOS ONE (2020) - Bolwerk et al.
- BDNF e Pintura: Frontiers in Psychology (2019) - Rosen et al.
Para aprofundar, consulte também o livro "Your Brain on Art" (Susan Magsamen e Ivy Ross, 2023), que explora a neurociência da criatividade.
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