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A celebração da poesia

José Adriano S. Alves

Poeta e Doutor em Literatura Brasileira – UFRJ


Começar um texto é sempre tão difícil como terminá-lo; pois de início nos deparamos com um nada, e no final também caminhamos para ele. Talvez por isso mesmo o ato de escrever seja em geral comparado a um rito, em que fim e começo são dois lados da mesma moeda. Contudo, inicio este texto que busca, através da intertextualidade, levantar um pouco o manto de silêncio que encobre a poesia brasileira, sobretudo a contemporânea. Ainda nesse sentido, ressalto que só com o diálogo contínuo com a nossa Literatura é que poderemos refletir sobre o lugar do fazer literário em nossa sociedade e sobre a nossa posição em relação a outras culturas. Assim, é a partir desta perspectiva que está fundamentado o presente texto.


Muitas pessoas com certeza conhecem a passagem bíblica do Gênesis[1], na qual Jacó, filho de Isaac, vai para a casa de Labão, seu parente, e se apaixona pela sua bela filha Raquel, irmã de Lia mais velha e sem beleza. Jacó, então, oferece-se para trabalhar sete anos para Labão, pedindo em troca a sua filha Raquel. O pai das moças aceita, mas acabados os sete anos dá-lhe Lia ao invés de Raquel. Jacó dorme com Lia e só no outro dia se dá conta do logro. Entram em novo acordo, e Jacó compromete-se a servir mais sete anos pela bela Raquel. E a história bíblica prossegue com seus mistérios, narrando a saga da formação do povo judeu com Jacó tendo vários filhos com Lia, Raquel e com suas “escravas’.


Ressalto, entretanto, que não tenho nenhum intuito de fazer qualquer tipo de exegese do texto bíblico. Ele servirá, isto sim, como matriz que de alguma forma motivou, direta ou indiretamente, os três textos aqui arrolados: Sete anos de pastor, de Luís de Camões; Ao casamento de Pedro Álvares da Neiva, de Gregório de Matos; e Sete anos de pastor, de Antonio Carlos Secchin. As citações e os comentários, por sua vez, terão sempre em vista o texto do autor contemporâneo. Nisso não há, fique claro, nenhum juízo de valor, mas sim um recurso para trazer à baila questões que ajudem a dialogar com a poesia “nossa de cada dia”.


Comecemos, pois, pelo mais distante no tempo. Sete anos de pastor[2], de Luís de Camões:


Sete anos de pastor, de Luís de Camões


Sete anos de pastor Jacó servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

Mas não servia ao pai, servia a ela,

E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia

Passava, contentando-se com vê-la;

Porém o pai, usando de cautela,

Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com

[enganos

Lhe fora assim negada a sua pastora,

Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos

Dizendo: Mais servira, se não fora

Para tão longo amor tão curta a vida!

Neste belo soneto, o autor versa sobre o Amor e, por tabela, sobre a beleza. Sim, Amor com letra maiúscula, porque “Para tão longo amor tão curta a vida”. Ressaltemos, também, a Beleza, lembrando que Camões é um escritor do período clássico. Portanto, era natural, e até uma exigência, que os artistas desse período buscassem esse ideal. Um ideal de beleza calcado no equilíbrio e na harmonia, que era de suma importância na Renascença. Observemos, por outro lado, como o soneto em questão está formalmente estruturado. O verso é decassilábico, e as rimas emparelhadas: ABBA, ABBA, CDE, CDE, harmoniosamente distribuídas, bem como o uso do cavalgamento. A mestria de Camões nos dá, como podemos notar, um todo bem acabado em que a história bíblica é filtrada para que só sobressaia o Amor idealizado. Para uma melhor compreensão do texto, façamos um rápido esquema: - tema: Amor (idealizado); - personagens: Labão (pai cauteloso), - Jacó (eterno amante, paciente), - Lia e Raquel (coadjuvantes passivas).


É importante observar, por outro lado, que o texto bíblico até o século XVII fazia parte das auctoritates, ou seja, de um modelo que via de regra não permitia questionamentos, no máximo correções. Por conseguinte, é compreensível que Camões só utilizasse a matriz como apoio para o fato que ele queria realçar: o Amor. Não importa, portanto, que o nome Jacó, etimologicamente, aponte para o significado de “aquele que engana”. Camões passa por cima disso; atenua a personagem Labão, ou melhor, utiliza-a juntamente com as filhas como meras coadjuvantes, não se preocupando em problematizar diretamente a história bíblica.


Entretanto, não creio ser pertinente que leiamos o texto camoniano, e também a passagem bíblica, esperando encontrar preocupações sociais de nossa época. Isso seria uma leitura equivocada, pois não faz sentido, por exemplo, querer encontrar nos dois textos algum tipo de defesa da posição feminina nos termos que conhecemos hoje em dia. O poema de Camões, desta forma, presta-se muito mais a uma leitura que atente para a sua beleza e harmonia, se quisermos nos aproximar da visão que o norteia. Outro ponto importante é observar como Camões está distante neste soneto do mal estar que aparece no belo e famoso canto X, estrofe 145 de Os lusíadas: “Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho/ Destemperada e a voz enrouquecida,/ E não do canto, mas de verque venho/ Cantar a gente surda e endurecida [...]”. No seu “Sete anos de pastor”, o poeta português está completamente dentro do modelo clássico. Já na estrofe de Os Lusíadas, o poeta está descontente por “Cantar a gente surda e endurecida”. É o desconforto e a pergunta pelo lugar da poesia. E é justamente nesse sentido que fazemos essa inusitada aproximação.


Naveguemos, todavia, por outros mares. No caso, o soneto “Ao casamento de Pedro Álvares da Neiva”[3], de Gregório de Matos:


Ao casamento de Pedro Álvares da Neiva, de Gregório de Matos


Sete anos a nobreza da Bahia

Servia a uma pastora Indiana bela,

Porém servia a Índia e não a ela,

Que a Índia só por prêmio pretendia.

Mil dias na esperança de um só dia

Passava, contentando-se com vê-la,

Mas frei Tomás usando de cautela,

deu-lhe o vilão, quitou-lhe a fidalguia.

Vendo o Brasil, que por tão sujos

[modos

Se lhe usurpara a sua Dona Elvira,

Quase a golpes de um maço e de

[uma goiva:

Logo, se arrependeram de amar

[todos,

E qualquer mais amara, se não vira

Para tão limpo amor tão suja noiva.


Na rota de Camões, Gregório de Matos aproveita-se do texto do poeta português transformando-o, de forma parodística, numa crítica à sociedade de sua época. Para tanto, utiliza-se do mesmo esquema formal de Camões. Não há, todavia, uma tentativa de desconstrução do soneto camoniano com a atitude parodística. Ressaltemos, pois, que o termo paródia é aqui utilizado basicamente como “canto ao lado do outro”. Gregório de Matos, com efeito, mostra-se mais interessado em sua crítica social e, para isso, baseia-se na fórmula do primeiro. Lembremos que “O Boca do Inferno”, como era cognominado, foi mestre em construir um texto reflexo com plena autonomia da matriz, mantendo assim o seu tanto de originalidade. No texto do poeta seiscentista, as personagens são diversas tanto do texto camoniano quanto do bíblico. Desta forma, as personagens (Jacó, Labão, Raquel e Lia) assumem representações distintas no decorrer do poema. E talvez esta distinção aponte para o desregramento e confusão dos papéis sociais tão criticados pelo poeta da então colônia que era o Brasil. Jacó, por exemplo, é representado no primeiro quarteto pela "nobreza da Bahia"; já no primeiro terceto é "o Brasil", tornando-se objeto de generalização no ultimo terceto. Por outro lado, há uma oposição entre "Indiana bela" e "Índia" também no primeiro quarteto. Assim, ao relacionarmos com os textos anteriores, percebemos que à "Índia" corresponderia Raquel, também relacionada à "fidalguia" e à "D. Elvira" respectivamente. Porém, a quem corresponderia "Indiana Bela"? Será que poderíamos vinculá-la à Raquel, ou a Labão ou ao Brasil? Gregório não deixa isso claro; a resposta lógica por sua vez tiraria um pouco do encanto proveniente em parte desse aspecto do poema, se é que seja possível dar essa resposta. Por isso, deixamos para o leitor essa tarefa.


O soneto, como vemos, é bastante escorregadio, personagens embaralham-se e são tratadas descontinuamente. Não obstante, tudo isso de certa forma conflui para um mesmo lugar: a sociedade da época, para onde o poeta dirige seu verbo; pois metonimicamente ele critica as classes sociais e suas relações neste poema, ou seja, primeiro temos a "Nobreza da Bahia" com suas intenções. Em segundo lugar, temos as tramas políticas da Clerezia, na figura do Frei Tomás. Depois, temos os indiciáticos vilão e fidalguia, que apontam para a perda do status quo. Em seguida, temos também golpes, maço e goiva que representam, como elementos de profissões desconsideradas socialmente, a ascensão de pessoas destituídas de nobreza. O último terceto resume bem o que estou abordando, basicamente na expressão “limpo amor” em oposição a “tão suja noiva”. Notemos que os adjetivos das expressões camonianas “longo amor” e “curta vida” são modificados conscientemente para “limpo” e “tão sujo”; os quais apontam para a questão da degradação social em oposição à história do amor de Jacó e sua pretendente. Portanto, fica evidente que, para Gregório de Matos, o que importa é a crítica social, a despeito da tradição. No entanto, se o poeta critica duramente a sociedade colonial, lembremos que ele foi seu membro ativo. Sua situação na certa era a de se sentir dentro de um mundo às avessas sendo parte integrante dele, conforme mencionou José Miguel Wisnik[4]. Até aqui, os textos mostram certa relação de contiguidade. No primeiro, temos uma releitura direta do texto bíblico; no segundo, isso já não acontece, e a relação se dá de forma parodística com o primeiro soneto. Contudo, já é possível vislumbrar a legitimação da influência (segundo Antônio Cândido, em Literatura e sociedade, ela se dá quando o poeta consegue adequar ao seu meio as influências recebidas de outras culturas) que Gregório logrou em muitos pontos de sua obra. Todavia, aportemos agora em nosso século. Falo especificamente do poema Sete anos de pastor[5], do livro Todos os ventos, de Antonio Carlos Secchin:


Sete anos de pastor, de Antonio Carlos Secchin


Penetro Lia, mas só Raquel me move,

e faz meu corpo encontrar toda

[alegria.

Se tenho Lia, a pele não navega

Em nada além de nada em névoa fria.

Sete anos galopando em Lia e tédio,

sete anos condenado ao gozo escuro.

Raquel me tenta, e se me beija Lia

minha boca é não, e minha mão é

[muro.

Labão, o puto, perdoai-me nesse

[instante,

adoro a dor que doer em minha

[amante.

Vou cravar-lhe um punhal exausto e

[certo,

doar seu sangue ao livro e à ventania.

Quieta Lia será terra em que os

[cavalos

vão pastar, sob a serra e o deus do

[dia.

O leitor em geral se choca com esse texto, pois ainda está habituado a uma linguagem poética tradicional, a despeito das inovações efetuadas pelos escritores modernistas no início do século XX. Entretanto, há muitas coisas a serem ditas sobre este poema. Observemos, de início, que a relação de contiguidade se mantém com os textos anteriores basicamente no tocante à forma soneto, pois o procedimento poético é diverso. Assim, vemos que apenas dois versos rimam regularmente em cada estrofe; o que já é uma diferença para com aqueles. No tocante à métrica, não encontramos variações dignas de ressalva. Entretanto, se a diferença quanto à forma ainda se mantém tímida, posto que a “fôrma” ainda é a mesma, a relação com a matéria poetizada é outra, conforme dissemos acima. O início do poema é bastante sintomático do que estou mencionando, pois o poeta abre o seu soneto de forma bastante peculiar em relação aos outros textos, ou seja, inicia-o com um verbo na primeira pessoa (“Penetro”) em clara oposição aos dois anteriores (“Sete anos”). Mais ainda, pois esse verbo engloba duas coisas importantes: a) a mudança de tratamento da personagem Jacó, que passa a agente da ação desde a primeira palavra do verso, assumindo a voz do discurso. Compare-se com a passividade dos outros dois textos. Por outro lado, ironicamente esse Jacó está mais próximo da sua matriz bíblica, onde também é agente da história e termina enganando seu tio. b) temos que os textos anteriores, e o bíblico por tabela,


são dessacralizados pelo poeta contemporâneo. Para tanto, temos o uso do verbo mencionado indicando uma relação sexual sem nenhuma conotação idealizante; marcada, isto sim, pelo desejo na presença-ausência de um “outro”: “Penetro Lia, mas só Raquel me move”. Na sequência do texto, Raquel e Lia, por sua vez, perdem a passividade tão peculiar dos textos anteriores e passam a agir dentro do poema: “Raquel me tenta, e se me beija Lia”; resguardados seus lugares de amantes, elas interagem na dramatização do poema. Labão, porém, é apagado deliberadamente, sendo tomado apenas como um vocativo. Apesar disso, sua posição assume grande relevância, pois ele será adjetivado de forma bastante interessante; isto é, pela substantivação: “Labão, o puto, perdoai-me nesse instante”, (grifos meus), acarretando um distanciamento para com a personagem (que passa a citada em terceira pessoa) ao mesmo tempo em que a adjetivação negativa cria uma tensão no texto. Ainda nesse sentido, a conjugação de “o puto” com “perdoai-me” gera outro aspecto importante; porque aqui o poema se polariza entre o sagrado (“perdoai-me”) versus o profano (“o puto”), reiterado na metáfora do deus sol (“deus do dia”) em oposição ao Deus cristão, ou com o confronto entre o Jacó camoniano e este que “adoro a dor que doer em minha amante”.


Não é por acaso que o verbo “adorar”, usado normalmente em relação a uma divindade, corrobora também a polarização entre sagrado e profano, porquanto esse adorar é completamente destituído de qualquer característica do plano sagrado. Ressaltemos, ainda, como o aspecto verbal é sabiamente manejado no poema, predominando as formas do presente do indicativo e futuro do presente, que reiteram um momento definido em oposição aos “sete anos” que Jacó servia dos textos anteriores.


Desta forma, é no jogo de espelhos (em que o poema de G. de Matos desaparece e ressurge o bíblico) que Antonio Carlos se distancia do modelo camoniano, adquirindo traços que resgatam a trama bíblica. E com isso há a reiteração, por outro ângulo, da minha assertiva sobre o sagrado e o profano. Para visualizarmos melhor o que estou mencionando, façamos o mesmo esquema proposto para Camões. Tema: cotidiano tedioso (em princípio); personagens: Labão (que passa para o campo negativo), Jacó (amante insatisfeito, sujeito da ação), Lia e Raquel (coadjuvantes). Num primeiro nível de leitura, podemos supor que este soneto tem como tema a relação extremamente tediosa entre Jacó e Lia, minada e, sobretudo, sustentada pela amante Raquel, que move a trama. E através do levantamento do campo semântico do poema, perceberemos como esse cotidiano será reiterado negativamente: “não navega”; “em nada além de nada em névoa fria”; “galopando em Lia e tédio”; “condenado ao gozo escuro”; “minha boca é não, e minha mão é muro”; “o puto”; “dor”; “cravar-lhe um punhal exausto”; “doar seu sangue”; “cavalos vão pastar”. Claro que as formas “cavalo”, “pastar” e “galopando” não são em si negativas, porém no contexto em que estão empregadas assumem tal característica. Esse aspecto do cotidiano, por sua vez, é uma constante no nosso século e aparece frequentemente denunciado na arte contemporânea. É possível exemplificar este ponto simplesmente lembrando do início da música “Cotidiano”, do compositor Chico Buarque de Holanda: “Todo dia ela faz tudo sempre igual,/ me sacode às seis horas da manhã/ me sorri um sorriso pontual/ e me beija com a boca de hortelã./ Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar/ E essas coisas que diz toda mulher [...]”, seguindo nesse compasso de constatação da monotonia do cotidiano. Frisemos essas aproximações para mostrar que o soneto de Antonio Carlos não é uma mera paródia dos textos anteriores. Muito pelo contrário, o autor soube contrabalançar com felicidade seu conhecimento da tradição literária com as questões do seu tempo presente, conseguindo, assim, realizar a legitimação da influência (no caso a não reduplicação dos textos anteriores) conforme mencionamos antes. Daí, o seu texto ganhar em originalidade, sem cair num mero pastiche, dialogando de forma bastante original com as questões do seu tempo histórico.


Não obstante, creio que esse primeiro nível de leitura não dê conta de todas as filigranas do texto em questão. Procuremos, assim, outra possibilidade de leitura. Foi o escritor romântico Friedrich Schlegel quem primeiramente falou que a poesia moderna (futura no caso) seria a poesia da poesia, a poesia que falasse da própria poesia, metapoesia portanto. E é justamente a partir do Romantismo que a poesia se debruça sobre si mesma com maior intensidade, sobretudo do Modernismo até os nossos dias. Por outro lado, os autores também se lançaram num questionamento sobre o lugar da poesia nessa sociedade segmentada em que vivemos. A partir dessa perspectiva, procurarei nessas linhas finais refletir sobre como Antonio Carlos lida com estas questões.


Mencionei antes que a personagem Jacó passa à condição de agente, de sujeito da enunciação. Falei também da tensão entre o sagrado versus o profano. Ora, tudo isso conflui para um ponto que é, a meu ver, central no poema: o rito sacerdotal para com a palavra poética. Desta forma, o “eu lírico” do poema dá início ao seu ritual: “Vou cravar-lhe um punhal exausto e certo”. É exatamente a partir daí que o poema se abre numa grande metáfora do próprio ato poético. E dando prosseguimento ao rito, a personagem Lia será metaforicamente sacrificada para “doar seu sangue ao livro e à ventania”. Assim, a “história”, metonimicamente representada pela Lia sacrificada, só terá importância na medida em que se transforma em poesia (“doar seu sangue ao livro”). É a celebração da poesia.


Por outro lado, frisei a reflexão sobre o lugar da poesia. Por isso enfatizei o mal-estar camoniano do “Não mais, musa, não mais [...]”. Em Antonio Carlos, essa preocupação está presente em outra vertente. Ele não questiona o lugar da poesia, mas está consciente do fato apontando que a doação ritualística será “ao livro e à ventania” (grifos meus). Portanto, o vocábulo “ventania” abre para o incerto, para uma viagem em que o poeta não é mais dono de sua obra. E esta poderá até mesmo ser levada metaforicamente pelo vento, para um leitor ninguém. Observemos, ainda, que “Quieta Lia será terra em que os cavalos/ vão pastar, sob a serra e o deus do dia”. Então, o deus que rege o sacrifício será um simples “deus do dia”, sem mitificações; a poesia, por conseguinte, será sacralizada e dessacralizada ao mesmo tempo, num movimento de aproximação e distanciamento.


Procurei com esta reflexão realçar como a poesia brasileira, sobretudo a contemporânea, insere-se dentro da tradição literária, bem como quais foram as preocupações de Antonio Carlos Secchin no seu fazer poético. Neste ponto, o poeta demonstra segurança e domínio do seu instrumento de trabalho. O seu texto, no fundo, é uma grande metáfora, se é que posso falar assim, do questionamento que norteou o presente ensaio.


Portanto, frente a uma poesia que especula sobre si mesma e sobre o mundo, acredito que estamos diante da celebração da poesia por excelência. Cabe ao leitor, por outro lado, a tarefa de buscar nesse emaranhado de textos que compõem a literatura brasileira contemporânea aqueles que não são unicamente frutos de um processo simplista de reduplicação.

 

[1]BÍBLIA. Português. Novo e velho testamento. Brasília, DF: Sociedade Bíblica do Brasil, 1990. Livro de Gênesis 29:15 a 30. [2] CAMÕES, Luís de. Lírica. São Paulo: Cultrix, [s.d.], p. 106. [3] MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. WISNIK, José Miguel (Org.). Estudo crítico. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 157. [4] WISNIK, José Miguel. op. cit., p. 13 a 27. [5] SECCHIN, Antonio Carlos. Todos os ventos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.


Sobre o autor

José Adriano S. Alves é Poeta, doutor em Literatura Brasileira (UFRJ) e professor de literatura da FAETEC-RJ.
O autor tem quatro livros publicados e o quinto, intitulado 7Flechas, está a caminho.

Livros publicados:

Poemas de memória; Sol a pino; Musa Absurda; Quase Poesia talvez abismo.


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Referências:

BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. São Paulo: DIFEL, 1985.

BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. São Paulo:

EDUSP: Iluminuras, 1993.

BÍBLIA. Português. Novo e velho testamento. Brasília, DF: Sociedade Bíblica do Brasil,

1990. Livro de Gênesis 29:15 a 30.

CAMÕES, Luís. Lírica. São Paulo: Cultrix, [s.d.].

______. Os Lusíadas. Rio de Janeiro: MEC, 1970.

CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. 2 ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1967.

MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. WISNIK, José Miguel. (Org.). E estudo crítico.

São Paulo: Cultrix, 1995.

ROSENFELD, Anatol. Texto/contexto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 1985.

SCHKLOVSKI, V. A arte como procedimento. In: EIKHENBAUM et al. Teoria da

literatura: formalistas russos. 4 ed. Porto Alegre: Globo, 1978, p. 39- 56.

SECCHIN, Antonio Carlos. Todos os ventos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

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