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É por sua natureza metafórica que poesia e dança se entrelaçam.
Dança e literatura: diferentes em linguagem e forma, quero enfatizar aqui as suas semelhanças. Semelhanças encontradas, principalmente, no processo de criação dessas artes.
O fazer literário ocupa-se em transformar palavras (matéria-prima do escritor) em literatura (obra) através de técnica e inspiração. O fazer coreográfico dedica-se a transformar movimentos (matéria-prima do coreógrafo) em dança (obra), da mesma forma tendo como ferramentas a técnica e a inspiração. Comparo, portanto, palavra a movimento.
Assim como uma determinada palavra tem, isoladamente, uma funcionalidade própria, totalmente objetiva, de comunicar ou nomear algo, um determinado movimento possui também sua função prática. Regina Miranda em seu livro “O Movimento Expressivo”[1] divide os movimentos em duas categorias: movimentos personalizados e movimentos funcionais. O primeiro tipo carrega uma função mais expressiva ou ligada à personalidade do movente, como um tamborilar de dedos, ou um sacudir de pernas que surge em um momento de ansiedade. Apesar de nem sempre parecer clara a sua função, ela existe e está relacionada à necessidade de externalizar emoções ou sensações ou de comunicar algo, mesmo que inconscientemente. É onde mora a dimensão comunicativa mais disfarçada do movimento. Já o segundo tipo define-se por movimentos que têm sua função prática muito bem determinada como, por exemplo, um movimento de braços para pegar um objeto ou pentear o cabelo.
Quando destacamos aqui a esfera comunicativa do movimento, já direcionamos nosso olhar para um dos pontos de encontro entre o movimento e a palavra e, consequentemente, entre a dança e a literatura.
Assim como temos o nosso repertório vocabular, temos o nosso repertório de movimentos que utilizamos em nossas ações, reações e comunicações diárias. Assim, se entendemos que ampliar nosso vocabulário aumenta nossas possibilidades de expressão e consequentemente de ação e interação com o mundo, ampliar nosso “vocabulário de movimentos” tem a mesma consequência.
Mas o que transforma palavra em poesia ou movimento em dança? É aí que entra em cena a habilidade do artista de explorar a dimensão “forma” destas matérias-primas (palavras ou movimentos) juntando-as e organizando-as até que possam proporcionar ao leitor/espectador a experiência estética.
A dança, enquanto obra de arte, não é apenas a junção de movimentos em sequência. Assim como literatura não se faz apenas juntando palavras e formando frases. É por sua natureza metafórica que poesia e dança se entrelaçam. A palavra está para o poeta assim como o movimento está para o coreógrafo.
A teórica da dança, Susan Leigh Foster, explora essa interconexão ao destacar em seu trabalho a perspectiva do corpo dançante como um "corpo poético", ressaltando a capacidade da dança de comunicar por meio de uma linguagem não verbal, assim como a poesia o faz através das palavras. Essa perspectiva ressalta a importância da metáfora e da expressão simbólica tanto na dança quanto na poesia, revelando a riqueza artística que emana da convergência entre movimento e palavra.
[1] MIRANDA REGINA. O Movimento Expressivo. Funarte, 1979.
Luiza Pessôa
sobre a autora
Luiza é bailarina, graduada em História, Pós-graduada em História da Arte, mãe da Antônia e amante fiel das artes em todas as suas expressões. A literatura nunca foi um plano, mas sempre um amparo, acolhendo suas emoções. Atualmente, integrando e dirigindo a Cia Corpoiesis, explora o entrelaçamento das linguagens da dança e da literatura.
Autora do curso: Métodos de ballet numa perspectiva histórica - clique para conhecer.
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